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Teresa Manjate
É Doutorada em Literatura Oral e Tradicional pela Universidade Nova de Lisboa. Professora Associada, é actualmente investigadora no Centro de Estudos Africanos e docente na Faculdade de Letras e Ciências Sociais, da Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo. Tem colaborado também, como convidada, com a Universidade Politécnica (Maputo) e com Africa University (Zimbabwe). É membra do Instituto de Estudos de Literatura e Tradição (IELT) da Universidade Nova de Lisboa e da Associação Internacional de Paremiologia (AIP). Suas áreas de interesse são: Literatura tradicional oral; literaturas Africanas de Língua Portuguesa; Cinema Africano; Educação. [email protected] / [email protected] |
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Em diálogo com Teresa Manjate
SEE: Para começar esta entrevista, parece-nos importante explicitar que partimos de um plano de conhecimento bastante insuficiente em relação ao panorama do ensaísmo moçambicano, em particular, e também, em geral, do ensaísmo produzido nos países africanos de língua oficial portuguesa. Apesar de termos a partilha do idioma, parece-nos urgente o estabelecimento de políticas editorais de incentivo à publicação e circulação entre os continentes e os países que se expressam, não só, mas também, em língua portuguesa. Sem deixar de levar em consideração a diferente circulação e convívio da produção intelectual e literária moçambicana nos circuitos editoriais e académicos brasileiro e português, como vê este cenário? Teresa Manjate: Este parece-me ser um bom ponto de partida para uma conversa. Tem muita razão quando afirma que “Apesar de termos em comum a partilha do idioma, parece-nos urgente o estabelecimento de políticas editorais de incentivo à publicação e circulação entre os continentes e os países que se expressam, não só, mas também, em língua portuguesa.” É notória a falta de conhecimento sobre a produção intelectual entre os países que falam português. Em pleno século XXI, com toda a tecnologia que dinamiza a vida das pessoas, a circulação de informação académica é insuficiente. Internamente, vou falar do meu país, Moçambique, que é o que mais conheço. A cadeia de valor do livro, o ciclo de vida do livro, se, por um lado, é muito dinâmico, devido a publicações que surgem todos os dias, pois regista-se nos últimos 10 anos um grande boom de publicações; por outro, o número de livros por publicação parece-me muito baixo, em média são 1000 livros, mas a sua circulação é exígua. Para além de os livros serem caros, é tónica dominante na academia (e não só) falar-se de fraca cultura de leitura. Faltam incentivos para a publicação, mas faltam, sobretudo, incentivos para a leitura. Quanto à circulação fora do país, sente-se uma dinâmica nova: há autores cuja obra é publicada fora do país, Portugal e Brasil, principalmente; há autores moçambicanos estudados fora do país – há teses defendidas cujo objecto de estudo são obras moçambicanas. Há cada vez menos autores portugueses e brasileiros a merecerem a atenção na academia moçambicana. No entanto, não posso afirmar que do lugar onde me encontro estas afirmações possam ser categóricas. Reconheço que estou num ponto do globo que não permite ter uma visão holística do problema. ~ Nos seus ensaios, assumem um papel de destaque a memória e a oralidade, enquanto expressão de cosmologias e cosmogonias, que convocam diferentes representações sociais. Concorda, nesse sentido, que o ensaio, na sua perspetiva, não versa apenas sobre uma determinada produção literária, mas, igualmente, sobre identidades e culturas, desigualdades e injustiças, tomando a literatura em constante diálogo com os diferentes tempos e espaços? O ensaio é tomado por si como um meio privilegiado de reflexão, expressão e criação? TM: Esta é uma questão muito difícil. Para mim, a literatura é um fenómeno complexo, isto é, cada obra literária tem a sua própria linguagem – estética, mas também tem um tema e inscreve uma ou várias visões do mundo. Ler um texto literário é ou deve ser um acto de fruição, de deleite. Mas também não se pode deixar de pensar que o texto literário tem mensagens que ampliam o nosso horizonte. As leituras feitas têm a ver com aquilo que a obra oferece. Os contextos de escrita são fundamentais e se calhar determinantes para as dinâmicas de leitura. Ao ler a poesia de Noémia de Sousa ou Craveirinha as temáticas da identidade e da memória estão lá. Não há como não pensar nestes aspectos. Quando se lê Ba Ka Khosa ou Mia Couto, por exemplo, a oralidade é um traço presente pela sugestão dos próprios autores pelo recurso que fazem a provérbios e à proverbialidade, entre outros elementos. Ao ler Museu da Revolução de João Paulo Borges Coelho, o tema da memória é incontornável. Ao ler Lica Sebastião, a temática do amor é incontornável. Ao ler Carlos Osvaldo, a vida urbana e o cosmopolitismo são temas presentes. O ensaio é expressão; é sobretudo reflexão. ~ Seria correto afirmar que, no seu entender, está subjacente à produção ensaística quer um conhecimento profundo das obras, quer de textos interdisciplinares com os quais a obra estabelece pontos de interceção, quer, ainda, do conhecimento dos diferentes contextos que lhes dão forma? Nessa linha de ação, a adoção do escrito no geral como matéria de ensaio implica uma reconfiguração da ideia de ensaio e um alargamento além da obra para o contexto que a enforma? Tomaria o ensaio moçambicano como um género com caraterísticas próprias que o distingue de outras tradições de ensaio literário? MT: Literatura é sobretudo um objecto estético. O conhecimento profundo das obras literárias é imprescindível para a produção ensaística. Uma visão interdisciplinar é importante. Sem pretender enveredar pelo caminho do activismo, dificilmente se poderá entender cabalmente uma obra de Chimamanda Ngozi Adichie sem visitar as teorias de género. Dificilmente poderemos compreender a fundo a obra de Pepetela sem visitar a História e as dinâmicas sociais de Angola… ~ Refere-se, no seu ensaio “Memória e Imaginário Ideológico em Ungulani Ba Ka Khosa”, à escrita que “deve ser livre, sem censura, sem preconceito, sem todas as coisas que amordaçam as vozes dos escritores”, advogando a “liberdade de pensamento, de criação e até de configuração de novos horizontes”. Essa liberdade é, para si, inerente à literatura. De que modo a ideia do “pensamento sem amarras” se alarga a outros géneros como o ensaio? Que relação estabelece entre o ensaio como género teórico e a sua produção ensaística? O ensaio é, na sua perspetiva, um meio privilegiado para expressar essa liberdade no sentido da democratização do conhecimento? TM: Todo o exercício intelectual deve ser livre. Não faz sentido ter-se uma academia com amarras; uma literatura presa a preconceitos, isto é, avaliada e julgada à luz de princípios que não estéticos; não faz sentido ter um ensaio julgado à luz de princípios não académicos ou científicos. ~ Na sua conceção, o ensaio tem lugar no cenário cultural moçambicano? Se sim, que lugar é esse? TM: Eu acho que sim. Há ensaios em muitas esferas da vida social em Moçambique. Nos órgãos de comunicação social – o número de jornais cresceu vertiginosamente; nas redes sociais – a crítica social circula a uma grande velocidade; nas universidades, publicam-se regularmente ensaios; em revistas de especialidade… Agora uma pergunta fica no ar: será que há leitores para o nível de produção? E aqui seria necessário fazer-se um estudo. Num universo de cerca de 30 milhões de habitantes, qual é o nível de escolaridade da maioria? Desse grupo de escolarizados, quantos compram e leem jornais? Quantos leem obras literárias? Quantos leem ensaios? Aqui em Moçambique e em todo o mundo estes questionamentos fazem todo o sentido. ~ Como professora de literatura, que lugar deveria ser dado ao ensaio no currículo dos cursos da área das humanidades? TM: O professor de Literatura só pode privilegiar o ensaio. É a maneira como se inscreve o diálogo formal sobre as obras com as quais se trabalham. Há um encorajamento para que os nossos estudantes, para não falar dos docentes, façam parte do corpo activo e dinâmico da intelectualidade moçambicana… E este exercício passa necessariamente pela leitura e, como se deseja, pela produção de ensaios sobre a literatura e sobre a cultura. 3 de Julho de 2023* *Entrevista realizada por Ana Catarina Monteiro, Jessica Di Chiara e Rita Basílio. |
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