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Laura Erber
nasceu no Rio de Janeiro, em 1979. É escritora, ensaísta, artista visual e professora adjunta do Departamento de Teoria do Teatro da UNIRIO. Cria a Zazie Edições, em 2015, em parceria com o teórico, crítico literário e professor titular da PUC-Rio Karl Erik Schøllhammer, e coordena a «Pequena Biblioteca de Ensaios», que integra as «coleções» desta editora. Com mais de 40 títulos disponíveis em seu catálogo, todos traduzidos ou publicados em língua portuguesa, a coleção reúne um conjunto heterogêneo e instigante de autoras e autores, assim como de temas, dentro do campo das humanidades. Em entrevista à Laura Erber tivemos a oportunidade de conhecer um pouco mais a «Pequena Biblioteca de Ensaios» e seu trabalho como editora, além de refletir sobre a (in)especificidade do ensaio enquanto escrita, gesto e modalidade de pensamento. |
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Em diálogo com Laura Erber
SEE: A «Pequena Biblioteca de Ensaios», da Zazie Edições*, torna claro o seu propósito de proporcionar uma maior democratização no acesso a textos ensaísticos recentes, disponibilizando-os, de forma gratuita on-line. Pode falar-nos um pouco do início deste projeto? Como nasceu a ideia, o que tornou possível a sua concretização. Laura Erber: A editora surgiu no contexto específico de minha atuação como professora numa universidade pública brasileira, a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Digo isso porque foi essa contingência que me motivou a elaborar uma coleção de ensaios, em open access ou acesso livre, em formato PDF, pois esse vem sendo o formato mais utilizado para facilitar o acesso e circulação de textos no ambiente universitário, não só no Brasil. Então minha ideia era assumir o PDF como formato fundamental e chamar atenção ao fato de que ele está presente ao longo da formação universitária e no ambiente de pesquisa. Havia então a vontade de tornar mais visível o problema do acesso à bibliografia teórico-crítica, e de como é importante pensar isso tendo em conta o ritmo que a pesquisa e a atualização das ementas exige, em geral isso é mal discutido e pouco contemplado por políticas editoriais efetivas, e que as políticas de aquisição de bibliografia pelas bibliotecas universitárias, por melhores que sejam, nunca serão suficientes, sobretudo em contextos onde o aluno passa mais tempo no traslado casa-universidade do que dentro da biblioteca. Mas a questão maior que mobiliza esse projeto diz respeito a uma discussão sobre o caráter público do conhecimento, e o direito ao saber. Essa é uma formulação recente, que vem sendo articulada no campo jurídico para defender nosso direito efetivo à produção de conhecimento, sobretudo aquela realizada no âmbito universitário e com dinheiro público. Essa questão tem sido mais discutida na área de Ciência da Informação, onde a questão também logística da estocagem e dos repositórios é mais claramente debatida. Nesse contexto trabalham com a ideia de usuário de informação e não necessariamente de consumidor de livros, num ciclo de informação que vai sendo moldado pela mediação de editores científicos e dos diversos serviços de organização e busca de dados, ou seja, envolve múltiplas instâncias. Não me agrada a ideia de informação com que trabalham, porque reduz o conhecimento à uma noção de conteúdo, de onde a linguagem fica excluída como dimensão fundamental, mas acho interessante e importante entender como pesquisadores de Ciência da Informação estão se habilitando para entrar no debate sobre o open access de maneira mais consistente e às vezes com uma visão mais clara do que vem a ser a democratização do conhecimento do que nós na área de Humanas, Letras, Artes, etc. ~ Como vê os resultados presentes? A concretização do projeto tem vindo a cumprir os propósitos e as expectativas iniciais? LE: Sim, acho que essa foi a grande surpresa. Porque quando criei a coleção parti de algumas observações baseadas na minha experiência como professora que precisava incluir bibliografia traduzida para adensar e atualizar certos debates, não podia esperar um ano para que o livro chegasse à biblioteca, e aqui não há nenhuma crítica à equipe da Biblioteca da UNIRIO, aliás muito competente e, a meu ver, subutilizada, mas é que a aquisição de livros dentro de uma universidade pública depende de um processo de elaboração e aprovação que não é imediato, há uma burocracia envolvida e tudo isso é muito pouco coerente com o ritmo real da pesquisa e da elaboração dos cursos, sobretudo em disciplinas de ementa mais aberta que nos dão mais liberdade na escolha da bibliografia. Além disso, nos cursos de graduação não podemos utilizar bibliografia em língua estrangeira. Esse, portanto, era um problema para todos os meus colegas, não era uma aflição exclusivamente minha. Mas cada um resolvia como podia ou conseguia, não havia uma discussão mais estratégica a esse respeito. Agora, respondendo mais propriamente o que me perguntou, a editora deu mais certo do que eu imaginava, os livros tiveram maior visibilidade e passaram a ser incluídos muito rapidamente na bibliografia de cursos em diferentes universidades brasileiras. Alguns foram incluídos em exames de concursos para Mestrado e Doutorado, pois tem sido exigido cada vez mais, e com razão, que a bibliografia desse tipo de concurso esteja disponível em open access para evitar que candidatos com acesso mais precário à bibliotecas e livrarias sejam prejudicados. Há muita bibliografia na área de Humanas que desaparece depois de três anos da publicação, ou os livros passam a ser vendidos a preços nada módicos em sebos virtuais. Isso é muito grave, porque é inclusive jogar fora um imenso esforço editorial. Não basta financiar uma publicação em pequena tiragem se depois o livro vai desaparecer, é preciso garantir a sua sobrevida e circulação. ~ A Zazie Edições, como você já mencionou, é uma editora não comercial e sem fins lucrativos, voltada para a divulgação de textos teórico-críticos em português em sistema de open access. Como uma editora não comercial e sem fins lucrativos consegue sobreviver? LE: Conseguimos sobreviver ainda de maneira muito precária, no início financiei a editora com a venda de meus desenhos, sou também artista visual. Hoje a editora se mantém com o financiamento coletivo. Gostaria de estabelecer mais parcerias também, com instituições e projetos de pesquisa que possam trazer algum tipo de financiamento para uma iniciativa de difusão de livros nesse formato, em sistema de acesso livre. Esse é meu objetivo agora, encontrar novas formas de estruturar a editora e de fomentar a edição open access e também dar mais visibilidade à discussão em torno dela. Uma experiência bacana na Zazie é a da Coleção TRAMA, organizada pela artista Luiza Crosman que reverte os cachês de projetos artísticos em livros de ensaios que nós editamos. Esses livros, segundo a Luiza, e nisso coincido com ela, são importantes para adensar o debate no campo artístico, são bibliografia interessante para quem trabalha hoje como artista. Essa coleção foi financiada inicialmente pela Fundação Bienal de São Paulo, quando da participação da artista na sua edição de 2018. ~ O projeto da «Pequena Biblioteca de Ensaios» disponibiliza e partilha o conhecimento em livre acesso, valoriza o pensamento crítico de autores internacionais atuais e o trabalho de pesquisa dos tradutores, garantindo sempre a autonomia e a singularidade de cada texto. Considera que o «ensaio» é o modo de escrita que mais se ajusta, na contemporaneidade, ao desejo de dar forma a um pensamento crítico individual (artístico, político, literário ou filosófico), democratizando o conhecimento? LE: Sou fascinada pelo ensaio como gênero ou modalidade de escrita da aprendizagem e portanto também do pesquisador, gênero aqui num sentido ambíguo certamente, e que pode declinar em literatura ou em ciência. Assim me interessa o ensaio como escrita em contato privilegiado com perguntas e com problemas, mas movida pela vontade de saber mais, um certo prazer do conhecer e não uma exposição do conhecido ou do conhecimento. O ensaio se move por meio de perguntas mas sem dissolvê-las, resolvê-las, são dúvidas que palpitam, e que por vezes galopamos, mesmo sabendo que essa modalidade de escrita – que é também uma modalidade ou gesto do pensamento – tende a ser mais dispersiva do que convergente, e que não alcançaremos uma conclusão particularmente iluminada. Trata-se de adentrar zonas do conhecido-ainda-desconhecido, uma inflexão que conjuga divagação e percepção crítica, onde é possível dar quase o mesmo peso ao que se sabe, ao que não se sabe ainda e ao que se deixa de saber ou ao que se abandona em todo processo teórico-crítico. O ensaio é muito audacioso, sendo ao mesmo tempo modesto em seus objetivos e aventureiro na forma. É uma escrita muito ligada ao processo de pensar, ao pensamento em ato, à dúvida e à curiosidade como energias da crítica. Enfim, é difícil falar do ensaio sem sentir que o estamos traindo... Não sei se o ensaio é o modo de escrita que melhor se ajusta ao mundo contemporâneo pois nesse nosso mundo há uma demanda por respostas definitivas e o ensaio é um gênero mais ligado à dúvida que à certeza ou ao “ensina-me a viver” que tanto se procura hoje em dia, mesmo em textos críticos. ~ Considera que a dimensão literária do ensaio (seu exercício e sua valorização) poderá ter um papel importante a cumprir na Universidade contemporânea? Importa dar voz e fortalecer a reflexão que se produz fora dos formatos acadêmicos em vigor, hoje em dia muito influenciados, no Brasil, por exemplo, pelos sistemas Qualis de avaliação e em Portugal pela FCT? LE: Sim, certamente. Os formatos nos quais nos acostumamos a “embrulhar” nossas pesquisas e questionamentos me parece muito limitado. A ideia de artigo científico, talvez bem mais adequada ao ambiente das ciências duras, acabou por derivar num formato um pouco enfadonho para as áreas de Humanas e Artes. E para quem lida com linguagem, parece-me mesmo um pouco vergonhoso aceitar esse tipo de formato sem questionamentos sobre suas consequências a curto e médio prazo. Por outro lado, não há nada de antiacadêmico na Zazie ou na Pequena Biblioteca de Ensaios. Gosto de oferecer a pesquisadores e professores a possibilidade de experimentarem esse outro formato, e às vezes essa liberdade ganha contornos de urgência, se o assunto está mesmo quente, mas também pode ser a reconexão com temas mais ou menos abandonados que a pessoa gostaria de retomar, mesmo que pareçam de início obsoletos ou extemporâneos. Tudo isso interessa à coleção, não há uma regra clara quanto a isso. Minha abordagem aí acaba por ser bastante intuitiva. Tenho interesse também em trazer para a coleção escritos de áreas mais distantes da minha, como a matemática, por exemplo. Como um matemático ou matemática investiria a escrita ensaística? ~ O exercício da tradução comparece na «Pequena Biblioteca de Ensaios» de modo privilegiado, não somente pela diversidade de tradutoras e tradutores, mas também através de ensaios que pensam teoria da tradução e questões de linguagem. Existe um interesse específico nestes temas? Em que sentido? LE: A editora vê os tradutores como colaboradores, e de fato eles atuam como tal, por vezes sugerindo ensaios com os quais têm uma relação especial, pois são pesquisadores desses temas. Então trazer os nomes dos tradutores para as capas dos livros tem a ver com essa compreensão da tradução e do tradutor não como meros instrumentos, mas como aliados substanciais, a tradução é responsável por uma mediação importante entre o texto e seu ambiente original e o texto que circulará em português no ambiente lusófono. E inclusive não vejo como pensar o acesso ao conhecimento sem pensar o papel fundamental da tradução aí. Não basta ter textos em open access para se democratizar o conhecimento, é preciso que haja política de tradução e valorização desse trabalho, assim como de todo o trabalho que o processo de editoração envolve. ~ Por fim, Laura, a Zazie Edições através da «Pequena Biblioteca de Ensaios» e de outras coleções volta-se para a divulgação de textos teórico-críticos. O ensaio é um gênero teórico? Que relação é possível estabelecer entre ensaio e teoria? LE: Essa é uma questão em aberto. Acho que inspirada em Jean-Christophe Bailly eu diria que o ensaio é mais um gênero da aprendizagem do que um gênero propriamente teórico. E por isso talvez ele seja tão interessante para os estudantes, de certo modo é um gênero no qual o teórico já maduro se coloca também num certo lugar diletante, no bom sentido. Então, creio que a vocação do ensaio não seja propriamente a de apresentar teorias ou aplicá-las, mas de usar a energia teórica para tocar e ensaiar caminhos. Reconectando-o com o sentido de testagem, de tentativa, o ensaio permite talvez enfiar o dedo na ferida teórica... Nas nossas feridas críticas... O ensaio abre caminhos para a teoria, às vezes caminhos impossíveis de se percorrer, e nesse sentido talvez ele se alie ao poema e ao erro, amigos do ensaio, certamente. 18 de Dezembro de 2020** *A Zazie Edições é uma editora independente, sem fins lucrativos e guiada por princípios de acesso livre (open access). Todos os títulos de seu catálogo podem ser acessados gratuitamente no site http://www.zazie.com.br/ . **Entrevista realizada por Jessica Di Chiara, Rita Basílio e Bruno Garcia.
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